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O AzLab#18, em formato especial, intitulado Flor Peregrina: São Benedito e o Brasil Colonial, teve como único convidado o investigador Nuno Senos que, entre outras matérias, tem estudado a arquitectura do Brasil colonial, com especial destaque para a arquitectura e arte franciscanas. Como foi contando ao longo da sessão, a descoberta de representações de santos não-brancos no Brasil, com especial incidência na região do nordeste, ocorreu durante as pesquisas para a sua tese de doutoramento. São Benedito foi um destes santos, mas Nuno Senos falou também de São Gonçalo Garcia, um santo ”pardo”, designação usada no século XVIII para “mulato”. Começando por contextualizar as devoções a estes santos, Nuno Senos abordou o contexto social específico de uma das regiões do Brasil mais importantes em termos de produção de açúcar e, como tal, com uma percentagem de população não-branca muito elevada. Neste âmbito, os franciscanos desempenharam um papel particularmente relevante no desenvolvimento de mecanismos positivos de controlo social e racial. Os sermões e o desenvolvimento de determinados cultos, nomeadamente de santos não-brancos contam-se entre estas estratégias.

O investigador referiu-se com mais detalhe à vida de São Benedito, cultuado em pelo menos oito dos treze conventos franciscanos da província de Santo António. O seu processo de canonização foi aberto em 1592 e novamente em 1622, mas sem consequências, sendo reaberto mais tarde, já no século XVIII. Foi declarado Beato em 1743, e nunca chegou a ser canonizado. No ano seguinte publicou-se, em Lisboa, a obra Flor peregrina por preta de Apolinário da Conceição, uma biografia de São Benedito que serviu de fonte de inspiração textual ao ciclo iconográfico da portaria do Convento Franciscano de Serinhaém. Este revestimento apresenta episódios da sua vida que podem ser agrupados entre os milagres e os ideais de pobreza. Muito embora se identifiquem episódios comuns à hagiografia de outros santos, alguns deles são muito específicos e Nuno Senos deteve-se na explicação e comentário contextualizado dos mesmos.

As questões que dominaram o período de debate centraram-se nos azulejos, com perguntas relativas à produção, datação, autoria e fontes iconográficas do conjunto, mas incidiram também sobre o seu actual estado de conservação e as repercussões que esta obra teve noutras mais tardias. No entanto, também estiveram em discussão as questões relacionadas com o contexto social do Brasil no século XVIII e ainda paralelismos com Portugal e outros territórios como a Índia e África.    
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The AzLab#18, in special format and entitled Pilgrim Flower: Saint Benedict and Colonial Brazil, had as its only guest the researcher Nuno Senos who, among other subjects, has been studying the architecture of colonial Brazil, with special emphasis on the Franciscan architecture and art. As he referred throughout the session, the discovery of representations of non-white saints in Brazil, with particular focus on the northeast region, occurred during the research for his PhD thesis. Saint Benedict was one of those saints, but Nuno Senos also spoke about Saint Gonçalo Garcia, a “pardo” saint, designation used in the 18th century for “mulatto”. Starting with the contextualization of the devotions to these saints, Nuno Senos addressed the specific social context of one of the most important regions of Brazil in terms of sugar production and, as such, with a very high rate of non-white population. In this context, the Franciscans played a particularly role in the development of mechanisms of social and racial control. The sermons and the development of certain devotions, namely of non-white saints are among these strategies.

The researcher made reference, in more detail, to the life of Saint Benedict, who was worshiped in – at least – eight of the thirteen Franciscan convents of the province of St. Anthony. His process of canonization was opened in 1592 and again in 1622, but without consequences, and was reopened later, in the 18th century. He was declared Blessed in 1743, and was never canonized. In the following year was published in Lisbon the work Flor peregrina por preta by Apolinário da Conceição, a biography of Saint Benedict which was the textual source of inspiration to the iconographic cycle of the entrance hall of the Franciscan Convent of Serinhaém. This azulejo covering presents episodes of his life that can be grouped together among miracles and ideals of poverty. Although common episodes of the hagiography of other saints can be identified, some of them are very specific and Nuno Senos took some time to explain and contextualize them.

The questions that dominated the period of debate focused on the azulejos, with queries on the set’s production, dating, authorship and iconographic sources (namely engravings), but there were also questions on its current conservation conditions and the repercussions that this work had on other, later works. However, it was also discussed issues related to the social context of Brazil in the 18th century and even parallels with Portugal and other territories such as India and Africa.

Flor Peregrina: São Benedito e o Brasil Colonial

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9 de Dezembro de 2015 | 18h00 | Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa | sala 2.1

Na sua obra Azulejaria Portuguesa no Brasil (1500-1822), publicada em 1965, João Miguel dos Santos Simões referia-se da seguinte forma ao Convento de Santo António de Serinhaém: “Ao sul do Estado de Pernambuco, não longe da fronteira com Alagoas, está a pequena vila de Sirinhaém, junto da foz do rio do mesmo nome. No centro de uma região açucareira, a Vila Formosa de Sirinhaém – como então se chamava – agrupou-se ao redor do convento que os franciscanos de Santo António de Portugal ali fundaram em 1630, e que hoje serve de Noviciado da Província.

Não obedecendo rigorosamente à ordenação arquitectónica destas fundações, os edifícios conventuais ocupam o topo de uma colina e constituem um bom exemplo das pequenas construções capuchas. A igreja, de nave e capela-mor, é relativamente vasta e, após os trabalhos de beneficiação realizados pela D.P.H.A.N. encontra-se num estado impecável de conservação e asseio”.

O autor descreve, depois, os azulejos encomendados a uma oficina de Lisboa cerca de 1745, começando pelos silhares que revestem lateralmente as paredes da nave. Superiormente recortados, simulam estruturas arquitectónicas com concheados nas molduras e representam cenas da vida de São Francisco de Assis complementadas com cartelas onde se exibem símbolos franciscanos. Por sua vez, a capela-mor continua o programa da nave, mas Santos Simões chama a atenção para a representação da Estigmatização de São Francisco, pouco habitual em relação à sua iconografia tradicional, citando Mário Barata (1951) e a identificação da fonte gravada – a obra D. Seraphici Francisci totius evangelicie perfectionis exemplaris admiranda historia. Junto ao arco existem azulejos com temática eucarística.

Por fim, refere-se ao ciclo iconográfico da capela de São Benedito, que será o tema do AzLab#18 especial: “Junto à portaria está a capela instalada numa quadra simples, apenas notabilizada pelo revestimento de azulejos. Trata-se de um silhar de 19 azulejos, incluindo 2 de rodapé de fundo marmoreado azul, com ornatos manganés. O silhar é constituído por painéis historiados, de pintura azul, enquadrados, como na igreja, por ornatos concheados que se sobrepõem a elementos arquitectónicos. Em cada um dos 5 painéis actualmente existentes representa-se uma cena da vida de S. Benedito, identificada por legenda na cartela da barra inferior”.

Infelizmente o estado de conservação é hoje bem diferente do que o testemunhado por Santos Simões:
http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2015/09/obra-e-abandonada-e-convento-de-1630-em-pe-esta-fechado-ha-4-anos.html

http://m.jc.ne10.uol.com.br/canal/cidades/geral/noticia/2015/09/09/ministerio-publico-federal-investiga-obra-abandonada-em-convento-franciscano-198100.php

Referências bibliográfica:
– BARATA, Mário – Diário de Pernambuco. 14 de Novembro de 1951.
SIMÕES, João Miguel dos Santos – Azulejaria portuguesa no Brasil: 1500-1822
. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1965, pp. 259-261.

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Pilgrim Flower: Saint Benedict and Colonial Brazil


December 9,
 2015 | 18h00 | Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa | room 2.1

João Miguel dos Santos Simões, in his work entitled Azulejaria Portuguesa no Brasil (1500-1822), published in 1965, refers the convent of St. Anthony of Serinhaém. Not being far from the border of Alagoas, in the State of Pernambuco, the convent of franciscans friars of St. Anthony of Portugal was founded in 1630. At the time Santos Simões wrote, the building was the Province’s Novitiate and was really well preserved.

The researcher continues with a description of the azulejos ordered in Lisbon circa 1745, representing the life of St. Francis of Assisi in the church’s nave and main chapel. He highlighted  the representation of the Stigmatization of St. Francis, unusual in relation to his traditional iconography, refering  to its engraving source – the D. Seraphici Francisci totius evangelicie perfectionis exemplaris admiranda historia. Near the arch there are azulejos with Eucharistic theme.

Finally the author mentions the iconographic cycle of St. Benedict’s chapel, which will be the theme of the AzLab#18 special. He wrote that near the entrance hall, there is a chapel with tiled walls of 19 azulejos in height, in blue and white painting, framed, like in the church, by shell ornaments overlapping the architectural elements. In each of the five existing panels there is a representation of the life of St. Benedict, identified by the captation in the lower frame cartouche.  

Unfortunately its state of conservation is very different today than the one witnessed by Santos Simões:
http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2015/09/obra-e-abandonada-e-convento-de-1630-em-pe-esta-fechado-ha-4-anos.html

http://m.jc.ne10.uol.com.br/canal/cidades/geral/noticia/2015/09/09/ministerio-publico-federal-investiga-obra-abandonada-em-convento-franciscano-198100.php

Bibliographical references:
– BARATA, Mário – Diário de Pernambuco. 14 de Novembro de 1951.
SIMÕES, João Miguel dos Santos – Azulejaria portuguesa no Brasil: 1500-1822
. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1965, pp. 259-261.

Flor Peregrina: São Benedito e o Brasil Colonial

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9 de Dezembro de 2015 | 18h00 | Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa | sala 2.1

Convidado:
Nuno Senos [CHAM – FCSH-NOVA – UAc]

Nuno Senos licenciou-se em História da Arte pela FCSH da Universidade Nova de Lisboa, onde fez também mestrado. A sua tese, O Paço da Ribeira, 1501-1581, foi publicada em 2002. Doutorou-se no Institute of Fine Arts, da New York University, onde defendeu uma tese intitulada Franciscan art and architecture in colonial Brazil, 1650-1800.

Os seus interesses de investigação e focos de ensino estendem-se da arquitectura quinhentista portuguesa, com especial atenção às estruturas palacianas, à arquitectura do Brasil colonial, e ao consumo artístico em Portugal na Idade Moderna.

É actualmente membro da direcção e investigador-coordenador do Centro de História d’Aquém e Além-Mar da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade dos Açores, onde coordena um grupo de trabalho dedicado ao estudo das artes e da expansão portuguesa. É também professor convidado do Departamento de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

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Pilgrim Flower: Saint Benedict and Colonial Brazil


December 9,
 2015 | 18h00 | Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa | room 2.1

Invited speaker:
Nuno Senos [CHAM – FCSH-NOVA – UAc]

Nuno Senos earned his BA from the Universidade Nova de Lisboa where he majored in History and Art History. He earned his MA from the same university where he worked on Portuguese architecture of the 16th century. His thesis, entitled O Paço da Ribeira, 1501-1581, was published in 2002. In 2006 he completed his Ph.D. at the Institute of Fine Arts, New York University, where he worked on Franciscan art and architecture in colonial Brazil, 1650-1800 under the advising of Professor Jonathan Brown.

His research interests range from 16th century Portuguese architecture, with a special focus on residential buildings, to the architecture of colonial Brazil, to the impact of empire in art consumption in Portugal in the 16th century.

He is Associate Researcher at the Portuguese Center for Global History at the Universidade Nova, Lisbon, where he heads the research group on The Arts and the Portuguese Expansion. He also teaches History of Early Modern and Colonial Art at the Universidade Nova de Lisboa.

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Fotos / Photos: © Nuno Senos e Biblioteca de Arte FCG [CFT009.3316.ic] | Design: © Inês Leitão

 

Flor Peregrina: São Benedito e o Brasil Colonial

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9 de Dezembro de 2015 | 18h00 | Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa | sala 2.1

Na década de 1740, os Franciscanos da província de Santo António do Brasil empenharam-se na promoção da devoção de um santo que nada tinha a ver com o Brasil, nem sequer com Portugal, São Benedito. Tal devoção servia o interesse da Ordem na sua vontade de renegociar o estatuto da população negra na pirâmide política da colónia, especialmente no Nordeste, área em que esta era particularmente numerosa e onde a Ordem fez o maior investimento na promoção desta devoção.

Benedito era filho de escravos africanos da Sicília do século XVI. O seu processo de canonização foi duas vezes aberto e inconclusivamente encerrado até que foi oficialmente declarado beato em 1743. Nada preocupados com os avanços e recuos deste processo, os Franciscanos do Brasil aproveitaram todo o potencial desta declaração e celebraram o novo beato como se de um santo se tratasse.

Nesta comunicação, explorarei as vias através das quais a Ordem promoveu esta devoção, que incluíram a construção de capelas e dos respectivos altares, bem como a encomenda de estátuas, pinturas, gravuras, combinadas com festividades públicas, sermões e outros tipos de fontes escritas. O mais espectacular dos recursos utilizados pelos Frades Menores foi, porventura, a encomenda de um monumental ciclo azulejar que decora a portaria do convento de Serinhaém, foco particular desta comunicação. [Nuno Senos]

Convidado:
Nuno Senos [CHAM – FCSH-NOVA – UAc]

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Pilgrim Flower: Saint Benedict and Colonial Brazil


December 9,
 2015 | 18h00 | Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa | room 2.1

In the 1740s, the Franciscans of the province of St. Anthony in Brazil committed themselves to the promotion of  the devotion to a saint who had nothing to do with Brazil, not even with Portugal – Saint Benedict. Such devotion served the interests of the Order in their willingness to renegotiate the status of the black population in the colony’s political pyramid, especially in the Northeast.  This area, in which this population was particularly numerous, was where the Order made their largest investment in promoting this devotion.

Benedict was the son of African slaves from 16th-century Sicily. His process of canonization was opened and inconclusively closed twice until he was officially declared beatified in 1743. Unfazed by the advances and retreats of this process, the Brazilian Franciscans exploited the full potential of benedict’s new status and celebrated the new Blessed as if he were a saint.

In this presentation, the researcher Nuno Senos will explore the ways in which the Order promoted this devotion, which included the construction of chapels and its altars, as well as the ordering of statues, paintings, engravings, combined with public festivities, sermons and other written sources. The most spectacular resource used by the Friars Minor was perhaps the ordering of a monumental cycle of azulejos which decorates the entrance hall of the convent of Serinhaém, which will be the main focus of this presentation.  [Nuno Senos]

Invited speaker:
Nuno Senos [CHAM – FCSH-NOVA – UAc]

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Fotos / Photos: © Nuno Senos e Biblioteca de Arte FCG [CFT009.3316.ic] | Design: © Inês Leitão